segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Lua cheia de Novembro de 2016

A irmã Lua, a mesma de sempre, persistentemente bela e poderosa, super desde o início...

segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Uma vez mais uma vénia para o Tinta Fresca, e para o seu Director, o Jornalista e Professor Mário Lopes

Um exemplo de Jornalismo e de Liberdade de Expressão. A mostrar que isso ainda é possível, apesar de todas as dificuldades.

Esta nota vem a talho de foice, pela publicação no Tinta Fresca do meu texto de opinião "O lado oculto do associativismo" que desta forma aproveito para agradecer. Sei que não é um texto cómodo ou fácil, e certamente isento de falhas, mas eu nunca julgo por baixo os meus possíveis leitores, ao contrário do que faz a chamada "comunicação social de massas", ou imprensa mainstream para usar um termo mais técnico, incluindo nele uma boa parte da imprensa local e regional que aqui me escuso de apontar... A título de declaração de interesses cumpre-me informar que não tenho, nem  jamais tive, qualquer tipo de negócios com o Tinta Fresca, ou pessoalmente com o seu director, o Professor Mário Lopes, empresariais, políticos, públicos, semipúblicos, privados, familiares, etc. Sei que isso marca a nossa diferença em relação à referida imprensa mainstream, e só tenho pena que muitos leitores não valorizem devidamente estas situações, certamente por ignorância ou conveniência, voluntária ou involuntariamente assumidas... talvez um dia as coisas mudem, pelo menos eu assim o espero há algumas décadas....

http://www.tintafresca.net


Uma vez mais o meu muito obrigado Mário Lopes!

Fortaleza de Peniche - Museu Nacional da Resistência

Sou, por princípio, favorável à Petição, atendendo à História. Mas porque a História continua, julgo essencial que se imponha uma condição à criação desse possível museu: a de que ele contemple uma sala ampla e completamente despida, em sinal de ântuma homenagem a todos os resistentes actuais e futuros.  Ora, não o fazer é dar o sinal contrário: o de que a História chegou ao fim, e o de que a resistência é algo que hoje não faz sentido. Uma vez incluída na Petição essa condição, é claro que de imediato a subscreverei...

http://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT83199


sexta-feira, 23 de setembro de 2016

quinta-feira, 22 de setembro de 2016

segunda-feira, 19 de setembro de 2016

O lado oculto do associativismo

 
Foto: picado aqui

O Lado Oculto do Associativismo

© Valdemar J. Rodrigues, 2016 (In: Sustentabilidade e Defesa Nacional, §80)

I de III
O meu artigo anterior sobre “Economia informal” tornou este inevitável, enquanto seu necessário complemento. A estadística dá por vezes conta de extraordinários fenómenos, coisas cujo estudo científico parece condenado à procrastinação. São frequentemente fenómenos das ditas ciências sociais, por oposição às naturais. Sobre a divisão das ciências, cabe dizer que foi o ser na cultura quem a fez ou seja, o ser em estado de não-natureza que vê o homem em seu estado natural como um ser carente de guia ou orientação espiritual i.e., carente de luz, algo que a cultura qua educação propicia, o que o torna assim capaz de distinguir entre o verdadeiro e o falso, o bem e o mal, etc. (Por outras palavras, o ser na cultura que acha que o homem não é, por natureza, como deve ser.) Mais modernamente, notou-se a convergência das vontades de verdade atidas às duas classes de ciências, e nesse sentido dir-se-á que a primeira classe quis objetivar-se e naturalizar-se, ao passo que a segunda, com menos visibilidade talvez, se abriu também ela à subjectividade e à incerteza. Mas vamos ao assunto: o número de associações de toda a espécie cresceu exponencialmente nas últimas décadas, um pouco por todo o mundo ocidental e, nomeadamente, em Portugal: apesar disso mantém-se, ou agrava-se, o diagnóstico da reduzida participação dos cidadãos, em particular dos portugueses, em actividades associativas. Pior: há estudos recentes que mostram Portugal com o mais baixo “índice de associativismo” por habitante de toda a Europa! Como explicar isto à luz das teorias geralmente aceitas de ciências (objectivadas) como a psicologia social, a sociologia, a ciência política ou a economia?

É um fenómeno intrigante, e não parece suficiente aventar, por exemplo, a diminuição do número médio de membros de cada associação, acompanhada, ou não, do aumento do número ou variedade de causas sociais que levam as pessoas a associar-se. Haveria sempre que demonstrá-lo e, ademais, de se mostrar como pode a adição de partículas de sal (uma metáfora para os líderes associativos) a um volume de água não saturado de sais (i.e., a sociedade) não só não aumentar a salinidade da água como, pelos vistos, diminuí-la. A desconexão entre participação cívica e ímpeto criador (e mantenedor) de associações e organizações dessa (hegeliana) «sociedade civil» não parece suscitar por aí além a atenção das ditas ciências, levando-as por exemplo a examinar o dúbio carácter das associações, situado algures entre o privado e o público. Ou a essência e o devir da “pessoa colectiva” do Estado, aparentemente oscilando entre a privatização do público e a colectivização do privado. Aparentemente, pois se trata de uma oscilação perceptível apenas por quem está por dentro. Por fora, a “pessoa colectiva” do Estado é e sempre foi gestora dos interesses privados daqueles que a constituem, e que historicamente conflituam com os das demais “pessoas colectivas”. Mas será que qualquer colectivo, por mais pequeno ou especializado que seja, segue inconscientemente as passadas e o exemplo do “pai”, do semi-divino “deus mortal” tal como Hobbes lhe chamou?

II de III
Será que há no ser da “pessoa colectiva”, essa quintessencial invenção da cultura, uma vontade inconsciente de vir-a-ser soberanamente, tal qual o Estado veio-a-ser, e da mesma forma que ainda hoje muitas nações procuram ser Estados, ou ser à semelhança de Estados? (podia inclusive perguntar-me porque me inclino a escrever Estado com inicial maiúscula, ao passo que hesito em escrever Nação? Será pela mesma razão que a projectada sociedade das nações nunca veio-a-ser; vindo em seu lugar a ONU qua sociedade de Estados?) Mas não nos afastemos demasiado do assunto deste inquérito: o misterioso fenómeno das associações. Não tenho provas de que o “exemplo do pai” seja o arquétipo dominante no inconsciente dos colectivos associativos. Se o fosse as coisas seriam mais simples: público seria tudo aquilo a que o “pai” com autoridade chama de “seu”, e privado tudo aquilo que ele (ainda) não domina ou não conquistou. Da mesma forma não estou certo de que em democracia as associações estejam livres de déspotas e dinastias.

É muito antiga e atribulada a história do “nós” ou seja, da “pessoa colectiva” motriz da cultura em seu movimento social e histórico. Entre traumas e doenças, muito haverá por explorar nos meandros das mentes colectivas e respectivos inconscientes. Até que a ciência possa compreender com clareza a interação entre psicologia individual e colectiva muitas décadas decorrerão, pois esse é tema delicado e talvez demasiado sensível para a cultura que, por isso, não teve até hoje a atenção que merecia. Não há “colectivos doentes”; o que há, porque a cultura tolera, são “colectivos de doentes”, coisa bem diferente. É destes que a medicina trata quando trata das chamadas “doenças sociais”: a doença é social não porque a “pessoa colectiva” esteja doente, ou sua psique transtornada no caso de doença mental, mas porque muitos indivíduos a têm. Mas recentremo-nos: recordo que a pergunta aqui é sobre o porquê da reduzida participação cívica dos cidadãos, em especial dos portugueses, em contraste com uma sociedade onde abundam e proliferam associações e colectividades (haverá hoje activas em Portugal cerca de 18 milhares, segundo as estimativas disponíveis, o que dá em média quase 6 associações por freguesia). A falta de uma ciência suficientemente conhecedora dos meandros e subtilezas da psique colectiva não deve deter a procura de explicação, até porque há coisas demasiado evidentes que em situações normais talvez carecessem de outra atenção, de um inquérito mais aprofundado e decerto de melhores estatísticas. Estou obviamente a falar do estatuto social e do regime fiscal muito próprios, e favoráveis, de que o associativismo goza, por comparação com o chamado “sector privado” da economia. Por um lado isenções fiscais e subsídios e, por outro, condições tão ou mais favoráveis do que as dos privados para a prossecução dos mais diversos negócios, e para a criação e manutenção de empregos.

III de III
Há, obviamente, justificação válida para a eventual concorrência entre privados e associações, justificação sem a qual a concorrência seria desleal: as associações concentram o seu esforço na prossecução dos seus fins estatutários, dos seus declarados e publicamente reconhecidos propósitos. Os negócios que eventualmente promovam têm carácter subsidiário: eles acontecem quando e porque estão ao serviço da prossecução daqueles fins ou propósitos. Se o principal fim da associação é, por exemplo, a recreação (ou o entretenimento), parece-me óbvio que a autoridade pública haveria sempre de questionar-se sobre a utilidade pública de tal organização, pois de outra forma estaria sub-liminarmente a dizer-se aos cidadãos que a recreação é política pública do Estado. Ora, a CRP, por exemplo, não prevê o direito à recreação, consubstanciado no dever do Estado em assegurar as condições e os meios para que os cidadãos se divirtam.

Evitar a concorrência desleal e injusta com o sector privado exige pois das autoridades públicas que não se poupem a uma fiscalização constante e eficaz visando apurar se as associações estão, ou não, a cada momento concentradas na prossecução dos seus fins e propósitos. Mas é aqui que surgem as grandes dúvidas. Onde estão, por exemplo, os dados referentes à fiscalização regular, por parte do Estado ou das Autarquias, ao funcionamento das associações? Onde está, para consulta do público, a informação actualizada sobre os frutos dessa fiscalização? Ou sequer sobre o número de sócios das associações no activo (pessoalmente, sei de casos em que nem a própria associação o sabe...)? Não é compreensível, em especial nos dias de hoje, com a abundância e o baixo custo dos meios que a técnica proporciona, tanta obscuridade e ausência de informação sobre as características, situação financeira e modo de funcionamento das associações. Poderá estar aqui a solução para o nosso enigma, que caberia às ciências mais vocacionadas para o assunto esclarecer e aprofundar. Não se compreende, a não ser por caciquismo ou por algum complexo de nefandas motivações, o fraco empenho dos municípios na fiscalização regular, sistemática e transparente, das associações e colectividades instaladas nas suas freguesias. O mesmo se diga do governo em relação às colectividades e associações de âmbito diverso que se albergam em seus territórios. O associativismo, elemento pedagógico que o ser na cultura vê como indispensável a uma democracia sã e moderna, não devia carregar consigo o estigma que, de todos, menos lhe convém: o de contribuir para o atraso social e a injustiça económica; para a promoção da mediocridade e do clientelismo. Isto além de, eventualmente, não se furtar à ilegalidade (por exemplo, quantas associações pagam o IMI relativo às partes dos prédios onde mantêm actividades comerciais não reservadas aos seus sócios, tipo bares e restaurantes?) A questão é porém mais complexa do que à primeira vista parece. Abordá-la com os necessários rigor e método científicos, é algo que ainda está por fazer. Algum positivismo não faria mal a ninguém.


Sintra, 18 de Setembro de 2016

domingo, 18 de setembro de 2016

terça-feira, 13 de setembro de 2016

Cadastro florestal sim, mas como deve ser!

Comentário ao artigo de Viriato Soromenho Marques no DN de hoje:

«Terras não cadastradas de proprietários absentistas»! Ora, será que o futuro cadastro vai levar em conta o valor ecológico da propriedade rústica? Porque o meu pinhalzinho também recicla nutrientes, purifica as águas subterrâneas, contribui para manter a biodiversidade e fixa o maldito Carbono da atmosfera, ou será que desta vez não?! Será que desta vez ele só faz mal, incêndios, pragas, pestes e coisas assim? Só causa externalidades negativas? Será que uma vez mais vamos ver a face oculta do "ambientalismo" indígena a atacar a propriedade privada a torto e a direito? Esquecendo sorrateiramente, e neste caso em particular, os dados do Millennium Ecosystem Assessment?... A minha sugestão é a seguinte: que se cadastre, sim senhor, mas que se leve em conta nesse cadastro o "valor ecológico" da propriedade, isto se for o caso, como parece ser, de taxar e aplicar IMIs - outra coisa não se esperaria do Estado. O facto de mais de 80% da superfície florestal de Portugal ser de privados deve ser visto como um bem, algo que nos distingue e que deve ser adequadamente valorizado.  

São estas pequenas grandes coisas que nos distinguem... E quanto ao IMI, que não consigo entender, sou contra, obviamente.

domingo, 4 de setembro de 2016

E se o sistema financeiro fosse desenhado por engenheiros do ambiente, ao invés de advogados e economistas?

Ora, os engenheiros do ambiente desde logo dividiriam o sistema em secções, cada uma delas dotada das respectivas válvulas de seccionamento para que, em caso de avaria ou contaminação pontual, não ficasse toda a gente sem água ou com água contaminada. Eh eh eh...

Fonte: picado aqui

terça-feira, 16 de agosto de 2016

UNIVATES - Lajeado, RS, Brasil

Uma fantástica Universidade que tive o grato prazer de conhecer. Obrigado UNIVATES! Com muita saudade. E esperança de futuras colaborações...

domingo, 14 de agosto de 2016

Esplendorosa Lua Cheia de Agosto de 2016, com um belo Poema do Paulo Ferreira Borges


     BREVE DURANTE
A vida é um breve durante,

a fluida esfera que vai puindo


o espelho da face. Erva que cresce

pelo palmo da idade

enquanto o coração, de agravos em desenganos,

continua a farejar nas madrugadas

o feliz pomar carregado de sorrisos,

a justa herança de quem vive o sonho.

Somos um pavio que se vai consumindo

na migração dos amores

e na sucessão das andanças.

Maisquerer nem sempre é benquerer

e no intervalar das luas,

vão-se os projectos sobre folha de água

e fica o incenso da conjura

a grassar, lentamente, sobre a pele

como em pira de inevitáveis silícios.

A vida é um breve durante,

dédalo intrincado,

cindida e atónita memória.


terça-feira, 9 de agosto de 2016

Série Grandes Mestres - George Orwell, ou do caricato da Verdade...

Guerra é paz. Liberdade é escravidão. Ignorância é força!


terça-feira, 2 de agosto de 2016

Da segurança alimentar

Lei básica (e universal) da segurança alimentar: «Comerás do que deres a comer aos outros, ou do que produzires ou venderes, para que outros comam, nas tuas fábricas e nas tuas lojas. Comerás se quiseres em mesa à parte, ou por outro prato, à mão ou com a ajuda de finos talheres de prata.»

sexta-feira, 22 de julho de 2016

quarta-feira, 6 de julho de 2016

Série Fábulas de Esopo II - A Gralha e os Pavões


Uma Gralha pediu emprestadas penas de pavão e, vestindo-se com elas, passou a andar com os Pavões, desprezando as outras Gralhas. Porém, passado algum tempo, os Pavões pediram as suas penas de volta, e começaram a depenar a Gralha, arrancando-lhe penas e carne com o bico. A Gralha quis depois regressar para junto das suas antigas companheiras, ainda que com temor e vergonha, e disseram-lhe elas: — Teria sido melhor contentares-te com o que te deu a natureza do que quereres ser o que não és e ficares no estado em que estás, pelada, ferida e envergonhada.

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Compreendendo a cultura II ou, Da pirâmide da hierarquia

Afinal, quem disse que o mandante com mais mandados era o mais livre? E nós, não queremos afinal todos "subir" na hierarquia? Mas já sei: alguém vai dizer que é a velha arenga do Velho do Restelo que Camões cantou. Pois que seja!

E se for para tanto aqui fica:

— "Ó glória de mandar! Ó vã cobiça
Desta vaidade, a quem chamamos Fama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
C'uma aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles experimentas!

— "Dura inquietação d'alma e da vida,
Fonte de desamparos e adultérios,
Sagaz consumidora conhecida
De fazendas, de reinos e de impérios:
Chamam-te ilustre, chamam-te subida,
Sendo digna de infames vitupérios;
Chamam-te Fama e Glória soberana,
Nomes com quem se o povo néscio engana!

— "A que novos desastres determinas
De levar estes reinos e esta gente?
Que perigos, que mortes lhe destinas
Debaixo dalgum nome preminente?
Que promessas de reinos, e de minas
D'ouro, que lhe farás tão facilmente?
Que famas lhe prometerás? que histórias?
Que triunfos, que palmas, que vitórias?

Luiz Vaz de Camões, Os Lusíadas, Canto IV, 95-97

sábado, 2 de julho de 2016

Compreendendo a cultura

A propósito da notícia: «ONU afirma que levar crianças à igreja é “violação dos direitos humanos”», publicada aqui e difundida nas redes sociais, fiz o seguinte comentário na página do Facebbok da Associação Agostinho da Silva, ao post na mesma página feito pela Profª Rosalina Gomes, que não conheço pessoalmente, em nome da dita associação:


«Os filhos não escolhem racionalmente pai, mãe, nacionalidade, etc. Isso que a ONU faz, se fosse como a notícia diz, não se distinguiria de um crime contra a mesma "humanidade" que a ONU se diz empenhada em defender... pela mesma ordem de ideias, e seguindo a mesma lógica de pensamento, as pessoas devia ser proibidas de ter religião, ou ter qualquer imagem ou símbolo religioso em suas casas. Um colossal disparate, portanto, em nome de uma falsa racionalidade "doutoral"... a mesma que se senta na cátedra ou seja, na cadeira do papa... E já agora, o que pensaria disso Agostinho da Silva? Não será abuso ligá-lo a tais ideias que ele jamais defendeu ou difundiu

Depois, perante ao gáudio da senhora com a medida da ONU, e a sua exaltação de uma «Soberania no corpo e na alma!», chamei-lhe à atenção: 

«E quando estará a alma pronta a exercer a soberania sobre si mesma? Depois de se ter doutorado ou pós-doutorado? A senhora será que não vê que essa soberania de que fala significa auto-governo? Significa o fim daquilo a que chamamos cultura ou civilização? Significa reconhecer que todo o seu percurso académico se baseou no erro de acreditar que as pessoas, e em especial os mais jovens, necessitam sempre de guia ou orientação espiritual? Errou Zeus quando, segundo Platão, enviou Hermes aos homens para que se respeitassem uns aos outros e pudesse assim haver entre eles a Justiça de que Epimeteu e o irmão se haviam esquecido quando os criaram?» 

Ora, o mais estranho é que a senhora, que faz questão que a tratem por «Professora doutora», preferiu ignorar os meus comentários. Das duas uma: ou consentiu neles, e temeu dar-me publicamente razão, algo que talvez ache que poria em causa a sua autoridade ou reputação, ou não consentiu mas não se dignou explicar porquê. Será este mais um daqueles exemplos de autoridade que não é autoridade?

da autoridade

A autoridade que se furta ao diálogo respeituoso por temer perder a autoridade não é autoridade. É, quando muito, o autor humano de alguma coisa.

segunda-feira, 27 de junho de 2016

Questões de linguagem ou, Da lei - cultural - da inclusão assimétrica

Começo por confessar que não consegui descobrir a lógica do não emprego do artigo "o" nas habituais referências que se fazem a(o) Portugal. Dá-me ideia de que se dizemos a Alemenha ou a França também deveríamos dizer o Portugal, tal qual dizemos o Reino Unido, o Brasil ou o Paraguai. Apesar da dúvida, que até hoje permanece insolúvel no meu espírito, parece-me claro que uma coisa é, por exemplo, a Alemanha, o Reino Unido ou o Portugal, e outra, bem diferente, os alemães, os portugueses e... os britânicos. Por alguma razão que não averiguei devidamente o gentílico reinunidenses não foi o escolhido. 

E porque são estas questões de linguagem tão cruciais? Ora, por exemplo, porque quando o Portugal se ausenta e vai ao estrangeiro jogar à bola não são os portugueses nem é o Portugal que o fazem, isto apesar de o dizer da linguagem afirmar o contrário ou seja, que é isso que acontece. Foi essa ilusão cultural que no passado tornou possíveis as grandes empresas de guerra dos Estados, de modo que quando, por exemplo, o Portugal entrava em guerra, todos os portugueses e portuguesas entravam em guerra, no sentido em que eram de uma forma ou de outra mobilizados para ela. Quanto ao inimigo, se fosse por exemplo a Castela (outro caso de não uso do artigo, desta vez no feminino) isso significava que todos os castelhanos e castelhanas eram de alguma maneira inimigos. Findas as guerras militares de conquista, a guerra manteve-se, militar e económica, e com ela o espírito milenar de inclusão assimétrica da cultura. Mais prosaica, dir-se-á, é a dívida do Portugal, da Alemanha, etc., que, por ser pública, é de todos e, sem ponderação, de cada um dos portugueses e das portuguesas, alemães e alemãs, etc. Tal como o PIB per capita ou as emissões do Carbono fóssil, causadoras do aquecimento global e da alteração climática, são do Portugal, da Alemanha, etc., na medida em que são, em abstracto e sem ponderação, de todos e cada um dos portugueses, alemães, etc., até mesmo daqueles que nunca foram proprietários de refinarias ou companhias petrolíferas, e até daqueles que nunca tiveram automóvel e sempre andaram de bicicleta. E isto tudo apesar da globalização e dos mercados transnacionais que regem na economia global. É assim porque, graças à ilusão cultural proporcionada e difundida pela linguagem, todos são levados a pagar pelo prejuízo que só alguns causam e, quando se trata do benefício, cada um recebe apenas a sua dose de orgulho, e eventualmente uma ou outra migalha sempre muito bem ponderada pelo mérito, pelo esforço ou pela sorte apostadora. É claro que há sempre em qualquer mobilização do "nós" um pequeno grupo de "patriotas" cujo "ser" excepcional justifica que entre si repartam o grosso dos benefícios que há para repartir.

É vincadamente assim quando o clube vence ou perde um jogo, pois todos os envolvidos ganham ou perdem financeiramnte com isso à excepção dos adeptos que, enquanto "praticantes", é seguro que perdem sempre: além do tempo, o dinheiro das quotas e dos bilhetes. Já quando o clube ganha, é certo que recebem uma dose extra de orgulho por pertencerem ao clube e vestirem as suas cores. (Além disso, todos os envolvidos à excepção dos adeptos praticantes e dos dirigentes do clube podem mudar de clube, mas essa seria uma outra história.)

A história aqui tem a ver com ganhos e perdas para todos e cada um sempre que há mobilizações do "nós" colectivo. Veja-se, por exemplo, o caso do sistema financeiro que, apesar da sua evidente transnacionalidade e globalização, continua a ser do Portugal, da Alemanha, dos Estados Unidos da América, etc. e isso unicamente para que, em caso de bancarrota, todos paguem pelo mal que alguns causaram, e do qual grandemente beneficiaram. Quanto aos dividendos que o "sistema financeiro nacional" proporcionou e proporciona, só alguns têm direito a eles, fruto do mérito, do esforço, da sorte apostadora, para além do peso accionista. A técnica da ilusão assimetricamente inclusiva é tão velha que é estranho alguém chegar à idade adulta sem dar por ela e sem saber o que ela geralmente significa. É caso para perguntar: o que andará a escola a fazer? Ora, provavelmente a ensiná-la para assegurar que se mantém. As disciplinas do direito, da história e da economia são grandemente responsáveis pela perpetuação da ilusão, sem a qual acreditam que a cultura não pode subsistir. E a ilusão, com rédea solta e altamente patrocinada pela escola da cultura, permite sem assombro dizer e escrever coisas tão fantásticas quanto esta: «Sei que dificilmente alguém ganha a Portugal», isto a propósito do futebol e sem que se dê conta de que Fernando Santos, ele próprio vítima da ilusão - ou talvez comprometido com ela - está a falar apenas de uma «selecção masculina de jogadores de futebol de 11 com a nacionalidade portuguesa», a qual, talvez sem o querer e com a complacência jornalística, confunde simultaneamente com o Portugal e com os portugueses e as portuguesas (estas, em particular, deviam sentir estranheza por não estarem representadas naquilo que se diz ser uma "selecção nacional", mas o facto de não sentirem estranheza só comprova o poder e a eficácia da ilusão), naquilo que dir-se-ia tratar-se de uma ilusão derivada ou de segunda ordem. 

Mas o pior de tudo é ainda a persistência na "cultura" de criaturas que acham que quem repara na ilusão é porque não é patriota; é porque é de direita ou de uma extremidade política; é porque não é amigo do povo, é porque, enfim, é um porco, um racista de merda .. Sim, desconheço completamente quem seja o presumível Alexandre não sei das quantas, tal como ele, seguramente, me desconhece. E sim, preocupam-me os excessos e a violência verbal que se vêm tornando tão habituais nas redes sociais e nas caixas de comentários dos jornais. Pois talvez indiquem a emergência do velho nazismo cultural - ou seja, a emergência de vontades colectivas que vêem com interesse a eliminação dos seres humanos excedentários, inúteis ou supérfluos - destarte também se tornou comum a referência a seres ilegais e a seres tóxicos - seres cuja permanência no mundo tais vontades vêem como uma ameaça para si e para o mundo.

sexta-feira, 24 de junho de 2016

Momento de humor

Acho incrível haver "selecções nacionais" compostas só de homens, sem atenção da "União Europeia" pela manifesta desigualdade de género, e sem a denúncia e o bloqueio feroz da Catarina Martins. Mas pior ainda:


Aguarda-se a qualquer momento a detenção de Fernando Santos por suspeita de crime de sexismo! Em directo e com exclusivo para a CMTV!

Brexit e o nazismo cultural

Brexit: O programa austeritário segue dentro de momentos, doravante agravado, pois com a democracia não se brinca. Quem não aceita a auteridade a bem, aceitá-la-á a mal, e sempre com agravamento. Uma derrota para a criatura jurídica chamada UE, que é também vitória - pírrica, entenda-se - caso a criatura e os seus criadores e cuidadores aproveitem a ocasião, como é provável que façam, para uma vez mais atirar para os povos - e não apenas aos das ilhas britânicas - as culpada austeridade, por quererem chamar a si as rédeas do seu destino. A hipocrisia e o cinismo da criatura, bem conhecido e documentado,  não deixará de rejubilar com o apoio recebido na Escócia e na Irlanda do Norte, pensando já talvez em futuros alargamentos e novos arranjos jurídico-institucionais. Seja como for, não há dúvida de que os próximos anos serão imensamente trabalhosos para os arquitectos do Estado europeu, e em geral para as criaturas rapaces de orçamentos, públicos e privados, que, sob a forma de juristas, gestores, jus-economistas, etc., passaram a enxamear a vida e os negócios do chamado mundo desenvolvido. Tirando eles, que sofrem em abstracto pelo povo, os povos continuarão em concreto a sofrer, para o bem deles. 

Parece-me óbvio que nesta coisa dos referendos devia haver referendos de segunda ordem ou seja, referendos sobre o alcance, oportunidade e significado dos referendos, para que a liberdade das pessoas não ficasse sempre refém do livre-arbítrio das escolhas pré-definidas pela razão de Estado, após ouvido nos oráculos o respectivo segredoO que significa por exemplo «Permanecer na UE» quando verdadeiramente ninguém do povo faz a mínima ideia do que seja a UE, ou do que signifique pertencer-lhe? E não faz por ser ignorante, mas porque a UE tem o espírito e o condão de um grande Estado, projecto de criaturas iluminadas, mantido por iluminados pastores, para que os rebanhos sigam. 

O Brexit foi finalmente uma vitória para o nazismo que, enquanto doença das mentes colectivas, existe seguramente há mais de dois milénios.  O conselho a dar é: resisti, enquanto podeis. Eu cá vou resistindo como posso.

terça-feira, 21 de junho de 2016

Noite rara de Lua Cheia em Solstício de Verão no Hemisfério Boreal

Foto: aqui. A crer na astronomia e na estatística, só daqui a 70
dos actuais anos da cultura teremos outra noite como esta. 
O que significa que, estatisticamente, 
eu já não verei outra assim.

domingo, 19 de junho de 2016

sexta-feira, 17 de junho de 2016

quarta-feira, 15 de junho de 2016

Os descontentes do povo e os descontentes com o povo

Foto: daqui

Há duas espécies de descontentes em relação ao povo: os descontentes do povo e os descontentes com o povo. Nenhum deles acompanha o povo, e como ambos se auto-exilaram confundem-se facilmente. Mas há que saber diferenciá-los. Os primeiros não acompanham o povo porque o acham débil, presa demasiado fácil daqueles que sabem ser os seus maiores inimigos. Quiseram ser pátria, e por isso se viram forçados a abandonar a pátria dentro da própria pátria, como quem se afasta do pai mantendo-se ao alcance do pai, a poucas palavras de distância, por vezes à distância de um simples gesto de simpatia e acolhimentoSão auto-exilados que se endo-exilaramOs descontentes com o povo, diferentemente, não acompanham o povo porque já desistiram dele; porque algures na história ou no tempo acharam congénita a sua malformação; são racistas, no sentido em que acreditam que a cegueira, tal como a falta de gosto e a indisciplina populares, são coisas naturais e sem remédio. São auto-exilados que renegaram o pai porque sentiram vergonha dele, e porque não quiseram ser pátria, ou melhor, porque não quiseram dar à pátria uma segunda oportunidade, já não se pode acreditar neles, e muito menos contar com eles. Abundam agora mais os segundos do que os primeiros, ou talvez isso seja o que sempre aconteceu. Para desgraça do povo, está-se em ver. 

terça-feira, 14 de junho de 2016

Sigmund Freud (1856-1939)

Foto: aqui

Que tal uma leitura? Isto aqui, por exemplo. Enquanto o ar não aquece e a Lua enche?

terça-feira, 31 de maio de 2016

Do ser-aí do fascismo


Um comentário feito aqui, com louvor ao Jornalista Ferreira Fernandes

«A. Araújo parece-me estar certo; para mim, do que sei e aprendi, o fascismo é a doença mental do pensar colectivo, a neurose agravada que vê barcos salva-vidas com urgência em partir mas com a lotação já esgotada; que vê o mundo saturado de homens maus, inúteis e supérfluos; e que sente necessidade dos tais condomínios para manter o seu bem-estar e a sua segurança. O fascismo é assim a vontade colectiva de partir o mundo em dois, a vontade do puro preto e do puro branco com anulação de todos os tons de cinzento, o puritanismo, a jihad, a cruzada, o holocausto, a purga, etc. Muito bem, pois, FF, a sua exposição. Parece-me perfeitamente certa, além de indispensável aos tempos que correm.»

quinta-feira, 26 de maio de 2016

Natália Correia (1923-1993)

Foto: aqui

Com a essência das flores mais coniventes
Na formosura, prepara o banho, Lídia.
Os anos murcham e só no corpo sentes
Quente e fagueira a passagem da vida.

Não digas, cética, que a carne é vã e passa
Desfeita em sombra, o negro rio. O Orco
Perséfone raptou rendido à graça.
Talvez no além precises do teu corpo.

Estima-o; e à beleza mais demora
Darão os fados na vida passageira.
Tépida a água, rescenda a musgo e a rosa.
De Paros seja o mármore da banheira.

Nua e rosada imerge na carícia
Emoliente da água perfumada,
E as folhas lassas dos membros espreguiça
Como uma humanizada flor aquática.

Não te esqueças porém de no amavio
Da água verter um brando óleo de malvas
Que te aveluda as coxas e mais brilho
Te dá ao polimento das espáduas.

E saindo do banho como a deusa
Sai, das macias ondas, nacarada,
Ergue-te para o amor, estátua de seda
Toda coberta com pérolas de água.

Por fim veste a camisa mais picante;
Com pó de ouro empoa o teu cabelo.
E vai para a alcova onde o teu amante
Te espera radioso e fiel como um espelho.

Natália Correia, O Armistício, 1985

quarta-feira, 25 de maio de 2016

quinta-feira, 19 de maio de 2016

A questão geracional e o Portugal democrático

Mais um apontamento breve para memória futura. Em comentário a um texto do prof. João César das Neves no DN com o título "Os filhos da adesão".

«Estimado Professor, não aceito a sua visão agregada do mundo e da sociedade. O "nós" inclusivo que insistentemente usa nas suas crónicas ofende-me, para além do facto de neste artigo em particular me ofender porque ignora completamente a "geração" a que pertenço, enfiando-a no mesmo saco da geração que beneficiou das chamadas "conquistas de Abril", que alguns dizem ter sido mais as "reconquistas de Novembro". Mas adiante. Gosto mais dos textos na primeira pessoa. Tinha 10 anos em 1975, e com a idade que tenho, e a vida que tenho tido, a que geração acha que pertenço: à sua, ou seja, à que nas suas palavras «endividou e bloqueou a economia, deixando um país doente»? Não me meta por favor nesse saco, pois o senhor nasceu em 1957 ou seja, é mais velho do que eu 8 anos, ou seja, tinha 18 anos em 1975, que já era idade para ter juízo e, também, para integrar listas partidárias. Por favor seja honesto e não me tente apagar, e comigo a minha tal "geração" como se ela nunca tivesse existido. Isso de apagar "gerações" é tentar rescrever a história; é uma atitude própria de estalinistas, que julgo não ser o seu caso.» 

Valdemar J. Rodrigues 
19 de Maio de 2016

Da economia informal

Da economia informal – Parte I de II

Quando se fala de economia informal há que notar o ilimitado desse informal, onde cabe qualquer actividade humana não controlada pelo Estado. Ora, o Estado pode achar, por exemplo, que cortar as unhas ou ficar com uma criança à guarda é algo que exige qualificações especializadas, dados os riscos que a actividade envolve para a segurança, o ambiente, etc. As pessoas, que informalmente cortavam as unhas umas às outras, ou os avós, que informalmente ficavam à guarda do neto enquanto os pais iam trabalhar, passam a estar em situação de ilegalidade, a menos que façam as devidas formações e obtenham as obrigatórias licenças. É o que está a acontecer com a agricultura informal: os pequenos agricultores já têm de fazer um curso de formação para poderem adquirir uma embalagem de pesticida. Muitos não o farão, por razões diversas, incluindo a de acharem que o Estado não tem de meter-se onde não é chamado, e que seguramente não é ele quem melhor conhece, ou quer mais bem. aos pés da mulher a quem o companheiro gratuitamente corta as unhas, à criança com quem os avós ficam gratuitamente enquanto a mãe vai com o namorado ao cinema, ou à nesga de terra há muito cultivada para sustento da família. O facto de haver gratuitidade e trocas de bens e serviços sem intermediação do dinheiro – quando a troca não é possível no momento, a memória sempre funcionou como reserva de valor – é um benefício a considerar. Se há bancos bons e maus, certamente também haverá economia informal boa e má. A má passa pelos negócios das sociedades offshore, pela lavagem de capitais que, por exemplo, os negócios do futebol propiciam; pela excessiva informalidade com que às vezes o Estado trata dos negócios públicos, pela corrupção, etc. Para não dar tiros nos pés, o povo deve pois precaver-se contra as cruzadas do Leviatã contra a economia informal, em que o “informal” aparece como o mal a combater. Porque não há só uma economia informal boa: há também uma economia informal absolutamente necessária para a sustentabilidade e o bom funcionamento de qualquer sociedade humana. É a ela que se deve o amortecimento do impacto social dos históricos empreendimentos do Leviatã.

É normal os economistas reconhecerem, baseando-se por exemplo na análise de Pareto, a necessidade de alguma informalidade na economia. Presos que estão aos números – e muitos à crença de que nada há melhor do que eles, os números, para analisar e representar a economia – asseveram, por exemplo, que se a economia “paralela” descer abaixo dos 15% do PIB a economia estagna, ou que se subir para lá dos 25% o sistema fiscal corre o risco de colapsar. São análises úteis, potencialmente moderadoras do devorismo estatal. Mas são-no apenas potencialmente, pois têm limitações que os governos e as agências inter-governamentais podem não querer reconhecer – e geralmente não reconhecem. O que significa a persistência do risco de que o pastor-Leviatã, ameaçado pela fome, coma as próprias ovelhas, o que neste caso significa tanto formalizar quanto consentir na informalidade da economia para lá do que deve, para tal manipulando a seu favor, se o deixarem, os números e as análises económicas. A primeira das limitações advém do conceito de economia paralela, que muitos economistas e políticos preferem ao de economia informal (na prática, tomam-nos por equivalentes). Tal conceito sugere que a actividade informal tem geralmente paralelo na economia formal, e é a partir desse paralelo – e aqui tem-se a segunda das limitações – que os economistas valorizam monetariamnte os bens e serviços produzidos na economia paralela.

Da economia informal – Parte II de II

A metodologia de avaliação do peso da economia informal tem pois, pelo menos, duas grandes limitações: por um lado parte do princípio de que a actividade informal tem paralelo na economia formal capaz de proporcionar a mesma utilidade, satisfação, etc. e, por outro, assume que os bens e serviços dessa actividade têm valor de mercado, valor com base no qual podem ser correctamente valorizados. Os números valem por isso o que valem, e só grosseiramente pode dizer-se que reflectem a realidade económica de um país. Pior ainda: pouco ou nada dizem relativamente à qualidade da informalidade em causa: agregam, tal como o faz o PIB em relação a toda a economia, a informalidade má, a boa e a indispensável a uma economia sã e sustentável. O que significa que quando se diz, por exemplo, que em Portugal há demasiada economia informal, um valor por hipótese acima dos 25% (os dados oficiais apontam para um valor próximo dos 27% do PIB ou seja, cerca de 46 mil milhões de euros que anualmente escapam à tributação), isso não é necessariamente nem mau nem verdadeiro; há que ter presente e salvaguardar a parte boa e indispensável dessa informalidade, a parte que, por infeliz coincidência (ou para alguns talvez não), é também a mais fraca ou seja, a que fiscalmente é mais fácil de atacar.

Por outro lado, a numerologia agregadora, estatal e economista, permite manter a eterna dúvida sobre o real significado do elevado peso da economia informal, e que pode até ser bom sinal; sinal por exemplo de que o inconsciente colectivo dos portugueses guarda consigo algo de valioso; algo que Agostinho da Silva decifrava: que o único objectivo moralmente aceitável da economia é o de suprimir a necessidade do trabalho humano, para tal fomentando a gratuitidade e a dignidade do viver colectivo. Ou seja, o contrário precisamente do que ela faz, com a providencial assistência do Estado. Há o risco, como disse anteriormente, de o pastor-Leviatã, ameaçado pela fome e habituado a uma vida faustosa, não hesitar em comer as próprias ovelhas. De uma forma ou de outra foi aquilo que, podendo, sempre fez quando se viu encurralado. O mal, ao que parece, é hoje geral, e é notório o esforço estatístico-económico para o tentar relativizar, nomeadamnte por via das análises comparadas. Mas talvez neste capítulo da informalidade económica, tal como reconhecidamente no da improvisação e da crónica falta de pontualidade, os portuguses estejam à frente de qualquer coisa sem o saberem, e sejam por isso alvo das invejas e inquietações de burocratas que falam em nome de “Bruxelas”, “Berlim”, “Lisboa”, etc. Era agora preciso perceber exactamente do quê estamos à frente, separar o trigo do joio e saber com quem podemos realmente contar nessa caminhada pelo futuro que a nós deve pertencer. Se não pudermos ou, pior ainda, se não quisermos saber e compreender, e ajudar também os outros a fazê-lo, é provável que uma vez mais o pior aconteça; que a culpa permaneça o pilar e motor da cultura que tem sido, aos olhos sempre de uma liberdade vencida. Agostinho sabia haver uma dívida histórica da cultura para com o escravo humano, e que essa dívida, que a cultura tardava em saldar – e que continua a aumentar, sob o olhar cúmplice de economistas e políticos – teria de ser paga mais cedo ou mais tarde, porque de outra maneira a cultura acabaria por não ter mais como justificar-se moralmente. O saldar da dívida – que era a libertação desse escravo – podia demorar mais ou menos tempo, ser um processo mais ou menos difícil, penoso ou violento, mas era para ele algo inevitável: era a conditio sine qua non da cultura.



Valdemar J. Rodrigues

Sintra, Lua Quase Cheia de Maio de 2016

quarta-feira, 11 de maio de 2016

terça-feira, 10 de maio de 2016

Da dívida da "cultura"


Fonte: aqui


O velho problema da subsidiariedade começa na concepção, pois é a "esfera superior" ou soberana que, com o intuito de que a lei - ou a mensagem - chegue a toda a parte, define a cada época e em cada circunstância o domínio de competências das "esferas inferiores" ou subsidiárias. A técnica, porém, não cessa de evoluir; a mesma técnica que criou as estradas e as pontes, as naus e os intrumentos de navegação, as armas e os satélites artificiais, que pemitiram a expansão e intensificação da "ideia" presente na "esfera superior". Ainda que esta vá mudando, a sua intenção parece-me ser sempre a mesma: a de imperar. Não vejo nenhum nenhum "freio" eficaz capaz de evitar que a "esfera superior" invada ou esvazie de competências as esferas inferiores, desde que tecnicamente se sinta preparada, ou equipada, para o fazer. Tal como não vejo nenhum Estado cuja ambição não passe por tornar-se omnisciente e omnipresente, além de omnipotente e eterno, isto claro está se não houver freios internos ou forças externas capazes de o refrear nessa ambição olímpica. Poderia hoje perguntar-se: para que precisa um Estado de uma "língua oficial", de um "sistema educativo" com educadores profissionais ou de um "sistema de justiça" senão para se auto-perpetuar na progressiva realização daquelas ambições? Concluindo: a subsidiariedade parece estar hoje, tal como no passado esteve muitas vezes, ameaçada pela evolução da técnica e, em particular, pela tremenda difusão do conhecimento. A dívida histórica da "cultura" para com o escravo humano continua porém a aumentar, com a cumplicidade das universidades e do "sistema educativo", e sem que se veja claramente o querer saldá-la das "esferas superiores". Mas penso que essa dívida, independentemente da vontade política - que é vontade dos "pastores espirituais" enquanto agentes da "cultura" - acabará mais tarde ou mais cedo por ter de ser paga, Desejavelmente sem purgas nem grande quantidade de sangue derramado, como desejaria certamente, para bem da "cultura" ou melhor, para salvação do seu lado bom, o visionário Agostinho da Silva.

Valdemar J. Rodrigues

Sintra, em Lua Crescente de Maio frio e chuvoso de 2016

terça-feira, 26 de abril de 2016

Nada em excesso! Ou...

... nas palavras sábias da minha avó Ilda Correia, «Tudo o que é demais é moléstia!»

Foto: daqui

O segredo da máxima «Nada em excesso!» - μηδέν άγαν - que, segundo Platão, estava grafada no templo de Apolo, em Delfos, juntamente com outra que dizia «Conhece-te a ti mesmo!», está na compreensão desse "Nada", que não se aplica apenas ao veneno de Paracelso - quando este terá dito sola dosis facit venenum - ou, se quisermos, que não se aplica apenas ao mal ou à coisa má. Pois se fora esse o caso, então esse "Nada" não seria um "Nada": haveria ainda coisas cujo excesso seria aceitável, coisas como a bondade, a sabedoria e a beleza e até, quem sabe, o amor. Nesse caso a máxima grega não poderia ser lida à letra, pois o "Nada" pressuporia um "Nada que fosse mau, feio, falso, impróprio, etc." É claro que para a cultura se tornou mais fácil imaginar o que seja um excesso de mal do que, por exemplo, um excesso de bem, de belo ou de verdadeiro. Aparentemente, tais qualidades nunca são excessivas, e mesmo para Platão e Aristóteles, que tanto amavam o belo e a sabedoria, a máxima até pode parecer contraditória: o que afinal poderia haver de mau ou indesejável no excesso de beleza ou de sabedoria? Sem me alongar demasiado na dialéctica dos contrários, ou na teoria dos extremos, direi apenas que esse "Nada" é mesmo um μηδέν ou seja, um zero. Que o excesso de bondade, por exemplo, é tão inconcebível quanto um excesso de maldade e que, até para a "cultura" não apolínea, a "cultura" do infinito e do infinitesimal que Leibniz, entre outros, ajudou a criar, a ideia de verdade não contempla o respectivo excesso, porquanto a "quantidade" de verdade - ou falsidade - que há em 2+2 = 5 é exactamente a mesma que há em 2+2 = 6, isto apesar do "juízo infinitesimal" que tornou possível julgar o primeiro resultado mais "próximo" da verdade  do que o segundo, ou o segundo resultado mais falso ou "carente" de verdade do que o primeiro. Não me alongarei mais, portanto.

O que eu quero apenas é deixar aqui, para memória futura, um breve comentário que fiz ontem a um dos muitos textos de opinião do facundo prof. Viriato Soromenho Marques, artigo cuja matéria só ilustrativamente me interessa, intitulado Tarefa inacabada.  Sendo curto, o comentário que fiz sintetiza na perfeição o meu manifesto contra o excesso de idealismo; contra aquilo que Borges, na sua inconfundível linguagem, chamou de «panteísmo idealista». Manifesto que faço em nome daquela máxima apolínea que a sabedoria da minha querida avó Ilda tão bem soube conservar e me transmitiu na citada forma. Aí vai então:

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Na paragem do autocarro, a vinda ou não vinda do autocarro depende da força do nosso acreditar, até porque o autocarro é, na linguagem de Borges, um Ur, ou seja, um objecto produzido unicamente pela esperança. Contudo, parece haver demasiados materialistas descrentes, para desgosto de Berkeley. Mas Tlon tem a solução: basta não os desejar. Se a sociedade "desmaterializada" e "descarbonizada" vencer, como o Prof. Soromenho Marques decerto tanto anseia, bastar-lhe-á não desejar pessimistas para que eles simplesmente deixem de existir. É óbvio que o pensar neles ou o falar deles não é o mesmo que desejá-los, mas não o fazer ajuda muito: ninguém deseja viver com o desconhecido ou amar alguém de quem nunca ouviu falar. Há pois que resistir à estranha necessidade dos contrários, que Heraclito tão bem conhecia. Há que transformar positivamente a criatura humana. Só então a "humanidade" realizará o seu projecto, o seu panteísmo idealista e a sua Orbis Tertius. E assim alcançará finalmente as tão desejadas harmonia e sustentabilidade. 

Valdemar J. Rodrigues, terceira Lua de Abril de 2016

Nota: a referência do Borges citado é a seguinte: Borges, J.L. (1983 [1968]) – Tlon, Uqbar, Orbis Tertius. In: Maria da Piedade M. Ferreira (trad.) Jorge Luís Borges - Nova antologia pessoal, pp. 89-104 . Lisboa: Difel