quarta-feira, 17 de fevereiro de 2021

Leituras do tempo XLII - Atrox veritas

Atrox veritas 

«Até ao último minuto de vida a presa ensanguentada acredita que ainda pode sobreviver ao predador. Ingénua esta condição que nos impede até ao último minuto de aceitarmos a verdade quando a verdade nos é cruel. Pois a vida consiste nisso mesmo, nessa involuntária negação da morte até ao preciso instante em que abandonamos o mundo. E por mais feroz e ávido que seja o predador, fica-nos sempre a esperança de que, uma vez saciada a sua fome, acabe por nos deixar em paz. É assim que procede a Natureza e que a raposa sobrevive ao coiote. Mas vede que, de entre todos os animais que existem na Natureza, por mais ferozes que sejam, só o Homem consegue beber sem ter sede. O que o pode tornar pelo vício insaciável. Ele é por isso o animal mais perigoso de todos os que existem, e é dele que tendes que ter mais cuidado porque a sua sede de matança pode ser nalguns casos infinita.» 

Valdemar J. Rodrigues, Ortogal, Lisboa: Chiado Editora, 2013, p. 151

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