Eles
sabem tudo; sabem que eu sei, e que os iludidos não sabem, os que
eles alavancaram e que lhes foram tão úteis enquanto tantos como
eu houve para, trabalhando, destruirem. Eles sabem que eles, os iludidos, nada
sabem, apesar de Prometeu os haver insuflado de esperança, tal como
a mim e aos meus irmãos em espírito, essa terrível esperança que ficou na caixa de Pandora, para
gáudio dos deuses e alívio dos pastores de homens. Eles sabem
que a ignorância nada sabe, mas esperam que eu, que aprendi e julgo saber o
essencial, me vingue, pois a vingança, como escreveu o tal de
Homero, é o mais doce dos sentimentos. Esperam que eu não corra a
salvar os iludidos, porquanto sabem que eu sei que foram eles os autores materiais do crime que levou à desgraça. E que a sua hora chegou finalmente, pois há muito que ela chega sempre da mesma
maneira: ao holocausto menor sucede o maior e a traição é a tábua da lei. Os iludidos acharam-se sábios e insubstituíveis mas afinal, como sempre sucede, não eram. Foram úteis enquanto houve trabalho para fazer; agora que o trabalho está praticamente concluído chegou a sua vez. Entretanto, como é habitual, endividaram-se e toleraram leis que os haverão de liquidar. É assim desde os tempos de Moisés, pelo menos. Eles, os homens de génio superior, sabem que a inteligência sempre foi um bem escasso, e
mesmo que não fosse sabem, com Prometeu, que ela sempre
cede diante da necessidade. Eles não esquecem a parábola de Zaratustra que vem
no Ortogal, a páginas 95, nem a verdade de Lúcio
Enobarbo, que na história ficou mais conhecido por Nero, esse insensível imperador que, segundo reza a lenda, se entreteve a compor com a sua lira
enquanto Roma ardia. Eles sabem tudo e sabem que eu sei; eles sabem tudo e não esquecem nada. A menos que esqueçam o facto de não serem deuses, pois nesse caso a sua sorte é a mesma dos iludidos. Haverá já acima deles um génio mais sabedor e menos esquecido do que eles, um génio empenhado em destrui-los, e abaixo como sempre uma multidão de vassalos ignorantes dispostos a servi-lo.
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