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Há duas espécies de descontentes em relação ao povo: os descontentes do povo e os descontentes com o povo. Nenhum deles acompanha o povo, e como ambos se auto-exilaram confundem-se facilmente. Mas há que saber diferenciá-los. Os primeiros não acompanham o povo porque o acham débil, presa demasiado fácil daqueles que sabem ser os seus maiores inimigos. Quiseram ser pátria, e por isso se viram forçados a abandonar a pátria dentro da própria pátria, como quem se afasta do pai mantendo-se ao alcance do pai, a poucas palavras de distância, por vezes à distância de um simples gesto de simpatia e acolhimento. São auto-exilados que se endo-exilaram. Os descontentes com o povo, diferentemente, não acompanham o povo porque já desistiram dele; porque algures na história ou no tempo acharam congénita a sua malformação; são racistas, no sentido em que acreditam que a cegueira, tal como a falta de gosto e a indisciplina populares, são coisas naturais e sem remédio. São auto-exilados que renegaram o pai porque sentiram vergonha dele, e porque não quiseram ser pátria, ou melhor, porque não quiseram dar à pátria uma segunda oportunidade, já não se pode acreditar neles, e muito menos contar com eles. Abundam agora mais os segundos do que os primeiros, ou talvez isso seja o que sempre aconteceu. Para desgraça do povo, está-se em ver.