quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

A esquerda/direita da ortografia do português, segundo o arqtº José António Saraiva

A dialéctica esquerda/direita em democracia necessita de pretextos;

A ortografia é um deles: segundo o arqtº Saraiva ser de esquerda é rejeitar o AO 1990; aceitá-lo é ser como se deve ser ou seja, de direita (i.e., a "prima" do direito). Na sua "perspetiva" o dr. Bagão Félix, por exemplo, é um homem de esquerda. Tal como o dr. Manuel Monteiro. Interessante esta nova modalidade divisória. Ser de esquerda é, segundo ele, ser "reacionário"; recusar "adotar" um AO que é "mera" convenção. Até eu, um pobre coitado, sou agora também de "esquerda". Eu já devia ter suspeitado...

O arqtº Saraiva não é advogado de formação (embora advogue muito) mas sim "arquiteto". Como "arquiteto" devia saber que há o lado estético da escrita, e que são muitas as palavras que na nova "redação" ficam feias, para não dizer horríveis. Mas os grandes "arquitetos" apreciam o "choque estético"; é ele que tantas vezes lhes assegura os prémios de "arquitetura". Concordará que por isso são de "esquerda", os grandes "arquitetos"? Certamente que não! Só seriam de esquerda se em vez de "arquiteto" escrevessem arquitecto. É sempre bom saber de que lado se está, e o arqtº Saraiva está do lado certo. Sempre esteve e estará do lado certo, que é o lado dos fortes e dos bons. O lado que sabe que para construir é preciso destruir. Desconheço-as, mas é óbvio que deverão ter sido inúmeras as vantagens políticas e económicas do AO. O "português europeu" salvou-se da extinção ao mesmo tempo que o "português unificado" se impôs, abrindo portas ao Portugal dos negócios e do direito internacionais. Ele terá concerteza as estatísticas, ou então tê-las-á seguramente o "Pordata" do dr. Barreto. Em particular, deve ter sido colossal o impacto do novo AO 1990 no PIB, no défice e na dívida públicas, além, claro está, de nas exportações "nacionais". Nós, estúpidos e profanos, ou profanamente estúpidos, é que não sabemos ver. Não temos olho para a coisa. Nas escolas reina a alegria de um admirável mundo que prossegue a grande marcha da língua portuguesa unificada. O arqtº Saraiva insiste na pequenez da coisa, que para ele é mera convenção. É como conduzir o automóvel pela esquerda, em vez de pela direita. O importante é mesmo fazer-se transportar e chegar ao destino. Tal como é importante que cada geração de grandes "arquitetos" marque a sua presença no mundo, que cause o seu "choque" cultural, impondo ao mundo um pace e um "estilo" sempre novos, sempre diferentes. Pergunta ele: «Por que razão no século XIX o som hoje representado pela letra ‘f’ se escrevia com ‘ph’? Por que se escrevia ‘pharmacia’ e hoje se escreve ‘farmácia’? Porquê?». Ao que nós respondemos aquilo que podemos responder: que não sabemos. Talvez o pai ou o avô dele pudessem responder; talvez a resposta fosse: «Porque nós também chocámos e marcámos a nossa passagem pelo mundo!» Se fosse "mera convenção", como diz, então porque razão não aceitaria o arqtº Saraiva a convenção que estava? Porque não continuou ele a escrever tal como aprendeu nos bancos da sua escola? E porquê tanta atenção, tantas reflexões, décadas de artigos em defesa do AO90?

A história do AO90 está feita; os seus "objetivos" foram largamente alcançados. Parabéns pois à "prima" e ao arqtº Saraiva: uma vez mais a história é irreversível; não é possível voltar atrás. É assim mesmo há milénios, desde os tempos do Moisés que Freud acreditava ser egípcio! Parabenize também em meu nome, se fizer favor, o dr. Balsemão, o dr. Santos Sinva e a tantos homens de "direita" quantos lhe aprouver parabenizar. (Diga-lhes que são os parabéns do Valdemar, aquele gajo lá de Cós, uma aldeia que agora, pelos vistos - e ele também não sabe porquê - passou oficialmente a grafar-se Coz, tal como dá conta o "respetivo" brasão de armas. Eu sei que eles me conhecem, pelo menos em espécie, porque não há nada nem espécie alguma que eles não conheçam. Eles estão sempre a um dedo de Deus e da omnisciência, como pintou o "Miguel" lá no "teto" da capela.) A "vitória" do AO mostra que são mesmo os homens que fazem a História, ou pelo menos alguns deles, os de Gnose, os de Génio... Eu, enquanto não me puserem o "garrote", faço assim: "adoto", enquanto me lembrar, as aspas nas pavavras com a nova "redação". Fico no meio termo, e rio. Até porque rir faz muito bem à saúde.

Sintra, 8 de Fevereiro de 2017