segunda-feira, 3 de outubro de 2016

Fortaleza de Peniche - Museu Nacional da Resistência

Sou, por princípio, favorável à Petição, atendendo à História. Mas porque a História continua, julgo essencial que se imponha uma condição à criação desse possível museu: a de que ele contemple uma sala ampla e completamente despida, em sinal de ântuma homenagem a todos os resistentes actuais e futuros.  Ora, não o fazer é dar o sinal contrário: o de que a História chegou ao fim, e o de que a resistência é algo que hoje não faz sentido. Uma vez incluída na Petição essa condição, é claro que de imediato a subscreverei...

http://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT83199


segunda-feira, 19 de setembro de 2016

O lado oculto do associativismo

 
Foto: picado aqui

O Lado Oculto do Associativismo

© Valdemar J. Rodrigues, 2016 (In: Sustentabilidade e Defesa Nacional, §80)

I de III
O meu artigo anterior sobre “Economia informal” tornou este inevitável, enquanto seu necessário complemento. A estadística dá por vezes conta de extraordinários fenómenos, coisas cujo estudo científico parece condenado à procrastinação. São frequentemente fenómenos das ditas ciências sociais, por oposição às naturais. Sobre a divisão das ciências, cabe dizer que foi o ser na cultura quem a fez ou seja, o ser em estado de não-natureza que vê o homem em seu estado natural como um ser carente de guia ou orientação espiritual i.e., carente de luz, algo que a cultura qua educação propicia, o que o torna assim capaz de distinguir entre o verdadeiro e o falso, o bem e o mal, etc. (Por outras palavras, o ser na cultura que acha que o homem não é, por natureza, como deve ser.) Mais modernamente, notou-se a convergência das vontades de verdade atidas às duas classes de ciências, e nesse sentido dir-se-á que a primeira classe quis objetivar-se e naturalizar-se, ao passo que a segunda, com menos visibilidade talvez, se abriu também ela à subjectividade e à incerteza. Mas vamos ao assunto: o número de associações de toda a espécie cresceu exponencialmente nas últimas décadas, um pouco por todo o mundo ocidental e, nomeadamente, em Portugal: apesar disso mantém-se, ou agrava-se, o diagnóstico da reduzida participação dos cidadãos, em particular dos portugueses, em actividades associativas. Pior: há estudos recentes que mostram Portugal com o mais baixo “índice de associativismo” por habitante de toda a Europa! Como explicar isto à luz das teorias geralmente aceitas de ciências (objectivadas) como a psicologia social, a sociologia, a ciência política ou a economia?

É um fenómeno intrigante, e não parece suficiente aventar, por exemplo, a diminuição do número médio de membros de cada associação, acompanhada, ou não, do aumento do número ou variedade de causas sociais que levam as pessoas a associar-se. Haveria sempre que demonstrá-lo e, ademais, de se mostrar como pode a adição de partículas de sal (uma metáfora para os líderes associativos) a um volume de água não saturado de sais (i.e., a sociedade) não só não aumentar a salinidade da água como, pelos vistos, diminuí-la. A desconexão entre participação cívica e ímpeto criador (e mantenedor) de associações e organizações dessa (hegeliana) «sociedade civil» não parece suscitar por aí além a atenção das ditas ciências, levando-as por exemplo a examinar o dúbio carácter das associações, situado algures entre o privado e o público. Ou a essência e o devir da “pessoa colectiva” do Estado, aparentemente oscilando entre a privatização do público e a colectivização do privado. Aparentemente, pois se trata de uma oscilação perceptível apenas por quem está por dentro. Por fora, a “pessoa colectiva” do Estado é e sempre foi gestora dos interesses privados daqueles que a constituem, e que historicamente conflituam com os das demais “pessoas colectivas”. Mas será que qualquer colectivo, por mais pequeno ou especializado que seja, segue inconscientemente as passadas e o exemplo do “pai”, do semi-divino “deus mortal” tal como Hobbes lhe chamou?

II de III
Será que há no ser da “pessoa colectiva”, essa quintessencial invenção da cultura, uma vontade inconsciente de vir-a-ser soberanamente, tal qual o Estado veio-a-ser, e da mesma forma que ainda hoje muitas nações procuram ser Estados, ou ser à semelhança de Estados? (podia inclusive perguntar-me porque me inclino a escrever Estado com inicial maiúscula, ao passo que hesito em escrever Nação? Será pela mesma razão que a projectada sociedade das nações nunca veio-a-ser; vindo em seu lugar a ONU qua sociedade de Estados?) Mas não nos afastemos demasiado do assunto deste inquérito: o misterioso fenómeno das associações. Não tenho provas de que o “exemplo do pai” seja o arquétipo dominante no inconsciente dos colectivos associativos. Se o fosse as coisas seriam mais simples: público seria tudo aquilo a que o “pai” com autoridade chama de “seu”, e privado tudo aquilo que ele (ainda) não domina ou não conquistou. Da mesma forma não estou certo de que em democracia as associações estejam livres de déspotas e dinastias.

É muito antiga e atribulada a história do “nós” ou seja, da “pessoa colectiva” motriz da cultura em seu movimento social e histórico. Entre traumas e doenças, muito haverá por explorar nos meandros das mentes colectivas e respectivos inconscientes. Até que a ciência possa compreender com clareza a interação entre psicologia individual e colectiva muitas décadas decorrerão, pois esse é tema delicado e talvez demasiado sensível para a cultura que, por isso, não teve até hoje a atenção que merecia. Não há “colectivos doentes”; o que há, porque a cultura tolera, são “colectivos de doentes”, coisa bem diferente. É destes que a medicina trata quando trata das chamadas “doenças sociais”: a doença é social não porque a “pessoa colectiva” esteja doente, ou sua psique transtornada no caso de doença mental, mas porque muitos indivíduos a têm. Mas recentremo-nos: recordo que a pergunta aqui é sobre o porquê da reduzida participação cívica dos cidadãos, em especial dos portugueses, em contraste com uma sociedade onde abundam e proliferam associações e colectividades (haverá hoje activas em Portugal cerca de 18 milhares, segundo as estimativas disponíveis, o que dá em média quase 6 associações por freguesia). A falta de uma ciência suficientemente conhecedora dos meandros e subtilezas da psique colectiva não deve deter a procura de explicação, até porque há coisas demasiado evidentes que em situações normais talvez carecessem de outra atenção, de um inquérito mais aprofundado e decerto de melhores estatísticas. Estou obviamente a falar do estatuto social e do regime fiscal muito próprios, e favoráveis, de que o associativismo goza, por comparação com o chamado “sector privado” da economia. Por um lado isenções fiscais e subsídios e, por outro, condições tão ou mais favoráveis do que as dos privados para a prossecução dos mais diversos negócios, e para a criação e manutenção de empregos.

III de III
Há, obviamente, justificação válida para a eventual concorrência entre privados e associações, justificação sem a qual a concorrência seria desleal: as associações concentram o seu esforço na prossecução dos seus fins estatutários, dos seus declarados e publicamente reconhecidos propósitos. Os negócios que eventualmente promovam têm carácter subsidiário: eles acontecem quando e porque estão ao serviço da prossecução daqueles fins ou propósitos. Se o principal fim da associação é, por exemplo, a recreação (ou o entretenimento), parece-me óbvio que a autoridade pública haveria sempre de questionar-se sobre a utilidade pública de tal organização, pois de outra forma estaria sub-liminarmente a dizer-se aos cidadãos que a recreação é política pública do Estado. Ora, a CRP, por exemplo, não prevê o direito à recreação, consubstanciado no dever do Estado em assegurar as condições e os meios para que os cidadãos se divirtam.

Evitar a concorrência desleal e injusta com o sector privado exige pois das autoridades públicas que não se poupem a uma fiscalização constante e eficaz visando apurar se as associações estão, ou não, a cada momento concentradas na prossecução dos seus fins e propósitos. Mas é aqui que surgem as grandes dúvidas. Onde estão, por exemplo, os dados referentes à fiscalização regular, por parte do Estado ou das Autarquias, ao funcionamento das associações? Onde está, para consulta do público, a informação actualizada sobre os frutos dessa fiscalização? Ou sequer sobre o número de sócios das associações no activo (pessoalmente, sei de casos em que nem a própria associação o sabe...)? Não é compreensível, em especial nos dias de hoje, com a abundância e o baixo custo dos meios que a técnica proporciona, tanta obscuridade e ausência de informação sobre as características, situação financeira e modo de funcionamento das associações. Poderá estar aqui a solução para o nosso enigma, que caberia às ciências mais vocacionadas para o assunto esclarecer e aprofundar. Não se compreende, a não ser por caciquismo ou por algum complexo de nefandas motivações, o fraco empenho dos municípios na fiscalização regular, sistemática e transparente, das associações e colectividades instaladas nas suas freguesias. O mesmo se diga do governo em relação às colectividades e associações de âmbito diverso que se albergam em seus territórios. O associativismo, elemento pedagógico que o ser na cultura vê como indispensável a uma democracia sã e moderna, não devia carregar consigo o estigma que, de todos, menos lhe convém: o de contribuir para o atraso social e a injustiça económica; para a promoção da mediocridade e do clientelismo. Isto além de, eventualmente, não se furtar à ilegalidade (por exemplo, quantas associações pagam o IMI relativo às partes dos prédios onde mantêm actividades comerciais não reservadas aos seus sócios, tipo bares e restaurantes?) A questão é porém mais complexa do que à primeira vista parece. Abordá-la com os necessários rigor e método científicos, é algo que ainda está por fazer. Algum positivismo não faria mal a ninguém.


Sintra, 18 de Setembro de 2016

terça-feira, 13 de setembro de 2016

Cadastro florestal sim, mas como deve ser!

Comentário ao artigo de Viriato Soromenho Marques no DN de hoje:

«Terras não cadastradas de proprietários absentistas»! Ora, será que o futuro cadastro vai levar em conta o valor ecológico da propriedade rústica? Porque o meu pinhalzinho também recicla nutrientes, purifica as águas subterrâneas, contribui para manter a biodiversidade e fixa o maldito Carbono da atmosfera, ou será que desta vez não?! Será que desta vez ele só faz mal, incêndios, pragas, pestes e coisas assim? Só causa externalidades negativas? Será que uma vez mais vamos ver a face oculta do "ambientalismo" indígena a atacar a propriedade privada a torto e a direito? Esquecendo sorrateiramente, e neste caso em particular, os dados do Millennium Ecosystem Assessment?... A minha sugestão é a seguinte: que se cadastre, sim senhor, mas que se leve em conta nesse cadastro o "valor ecológico" da propriedade, isto se for o caso, como parece ser, de taxar e aplicar IMIs - outra coisa não se esperaria do Estado. O facto de mais de 80% da superfície florestal de Portugal ser de privados deve ser visto como um bem, algo que nos distingue e que deve ser adequadamente valorizado.  

São estas pequenas grandes coisas que nos distinguem... E quanto ao IMI, que não consigo entender, sou contra, obviamente.

domingo, 4 de setembro de 2016

E se o sistema financeiro fosse desenhado por engenheiros do ambiente, ao invés de advogados e economistas?

Ora, os engenheiros do ambiente desde logo dividiriam o sistema em secções, cada uma delas dotada das respectivas válvulas de seccionamento para que, em caso de avaria ou contaminação pontual, não ficasse toda a gente sem água ou com água contaminada. Eh eh eh...

Fonte: picado aqui

terça-feira, 16 de agosto de 2016

UNIVATES - Lajeado, RS, Brasil

Uma fantástica Universidade que tive o grato prazer de conhecer. Obrigado UNIVATES! Com muita saudade. E esperança de futuras colaborações...

domingo, 14 de agosto de 2016

Esplendorosa Lua Cheia de Agosto de 2016, com um belo Poema do Paulo Ferreira Borges


     BREVE DURANTE
A vida é um breve durante,

a fluida esfera que vai puindo


o espelho da face. Erva que cresce

pelo palmo da idade

enquanto o coração, de agravos em desenganos,

continua a farejar nas madrugadas

o feliz pomar carregado de sorrisos,

a justa herança de quem vive o sonho.

Somos um pavio que se vai consumindo

na migração dos amores

e na sucessão das andanças.

Maisquerer nem sempre é benquerer

e no intervalar das luas,

vão-se os projectos sobre folha de água

e fica o incenso da conjura

a grassar, lentamente, sobre a pele

como em pira de inevitáveis silícios.

A vida é um breve durante,

dédalo intrincado,

cindida e atónita memória.


terça-feira, 2 de agosto de 2016

Da segurança alimentar

Lei básica (e universal) da segurança alimentar: «Comerás do que deres a comer aos outros, ou do que produzires ou venderes, para que outros comam, nas tuas fábricas e nas tuas lojas. Comerás se quiseres em mesa à parte, ou por outro prato, à mão ou com a ajuda de finos talheres de prata.»

quarta-feira, 6 de julho de 2016

Série Fábulas de Esopo II - A Gralha e os Pavões


Uma Gralha pediu emprestadas penas de pavão e, vestindo-se com elas, passou a andar com os Pavões, desprezando as outras Gralhas. Porém, passado algum tempo, os Pavões pediram as suas penas de volta, e começaram a depenar a Gralha, arrancando-lhe penas e carne com o bico. A Gralha quis depois regressar para junto das suas antigas companheiras, ainda que com temor e vergonha, e disseram-lhe elas: — Teria sido melhor contentares-te com o que te deu a natureza do que quereres ser o que não és e ficares no estado em que estás, pelada, ferida e envergonhada.

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Compreendendo a cultura II ou, Da pirâmide da hierarquia

Afinal, quem disse que o mandante com mais mandados era o mais livre? E nós, não queremos afinal todos "subir" na hierarquia? Mas já sei: alguém vai dizer que é a velha arenga do Velho do Restelo que Camões cantou. Pois que seja!

E se for para tanto aqui fica:

— "Ó glória de mandar! Ó vã cobiça
Desta vaidade, a quem chamamos Fama!
Ó fraudulento gosto, que se atiça
C'uma aura popular, que honra se chama!
Que castigo tamanho e que justiça
Fazes no peito vão que muito te ama!
Que mortes, que perigos, que tormentas,
Que crueldades neles experimentas!

— "Dura inquietação d'alma e da vida,
Fonte de desamparos e adultérios,
Sagaz consumidora conhecida
De fazendas, de reinos e de impérios:
Chamam-te ilustre, chamam-te subida,
Sendo digna de infames vitupérios;
Chamam-te Fama e Glória soberana,
Nomes com quem se o povo néscio engana!

— "A que novos desastres determinas
De levar estes reinos e esta gente?
Que perigos, que mortes lhe destinas
Debaixo dalgum nome preminente?
Que promessas de reinos, e de minas
D'ouro, que lhe farás tão facilmente?
Que famas lhe prometerás? que histórias?
Que triunfos, que palmas, que vitórias?

Luiz Vaz de Camões, Os Lusíadas, Canto IV, 95-97

sábado, 2 de julho de 2016

Compreendendo a cultura

A propósito da notícia: «ONU afirma que levar crianças à igreja é “violação dos direitos humanos”», publicada aqui e difundida nas redes sociais, fiz o seguinte comentário na página do Facebbok da Associação Agostinho da Silva, ao post na mesma página feito pela Profª Rosalina Gomes, que não conheço pessoalmente, em nome da dita associação:


«Os filhos não escolhem racionalmente pai, mãe, nacionalidade, etc. Isso que a ONU faz, se fosse como a notícia diz, não se distinguiria de um crime contra a mesma "humanidade" que a ONU se diz empenhada em defender... pela mesma ordem de ideias, e seguindo a mesma lógica de pensamento, as pessoas devia ser proibidas de ter religião, ou ter qualquer imagem ou símbolo religioso em suas casas. Um colossal disparate, portanto, em nome de uma falsa racionalidade "doutoral"... a mesma que se senta na cátedra ou seja, na cadeira do papa... E já agora, o que pensaria disso Agostinho da Silva? Não será abuso ligá-lo a tais ideias que ele jamais defendeu ou difundiu

Depois, perante ao gáudio da senhora com a medida da ONU, e a sua exaltação de uma «Soberania no corpo e na alma!», chamei-lhe à atenção: 

«E quando estará a alma pronta a exercer a soberania sobre si mesma? Depois de se ter doutorado ou pós-doutorado? A senhora será que não vê que essa soberania de que fala significa auto-governo? Significa o fim daquilo a que chamamos cultura ou civilização? Significa reconhecer que todo o seu percurso académico se baseou no erro de acreditar que as pessoas, e em especial os mais jovens, necessitam sempre de guia ou orientação espiritual? Errou Zeus quando, segundo Platão, enviou Hermes aos homens para que se respeitassem uns aos outros e pudesse assim haver entre eles a Justiça de que Epimeteu e o irmão se haviam esquecido quando os criaram?» 

Ora, o mais estranho é que a senhora, que faz questão que a tratem por «Professora doutora», preferiu ignorar os meus comentários. Das duas uma: ou consentiu neles, e temeu dar-me publicamente razão, algo que talvez ache que poria em causa a sua autoridade ou reputação, ou não consentiu mas não se dignou explicar porquê. Será este mais um daqueles exemplos de autoridade que não é autoridade?

da autoridade

A autoridade que se furta ao diálogo respeituoso por temer perder a autoridade não é autoridade. É, quando muito, o autor humano de alguma coisa.