domingo, 3 de agosto de 2014

O Silêncio

Quando a ternura
parece já do seu ofício fatigada,

e o sono, a mais incerta barca,
inda demora,

quando azuis irrompem
os teus olhos

e procuram
nos meus navegação segura,

é que eu te falo das palavras
desamparadas e desertas,

pelo silêncio fascinadas.

Eugénio de Andrade, in "Obscuro Domínio"

quinta-feira, 19 de junho de 2014

Herberto Helder, sobre o Gás

A última bilha de gás durou dois meses e três dias,
com o gás dos últimos dias podia ter-me suicidado,
mas eis que se foram os três dias e estou aqui...
e só tenho a dizer que não sei como arranjar dinheiro para
                                                                          outra bilha,
se vendessem o gás a retalho comprava apenas o gás da
                                                                              morte,
e mesmo assim tinha de comprá-lo fiado,
não sei o que vai ser da minha vida,
tão cara, Deus meu, que está a morte,
porque já me não fiam nada onde comprava tudo,
mesmo coisas rápidas,
se eu fosse judeu e se com um pouco de jeito isto por
                                                       aqui acabasse nazi,
já seria mais fácil,
como diria o outro: a minha vida longa por muito pouco,
uma bilha de gás,
a minha vida quotidiana e a eternidade que já ouvi dizer
                                                        que a habita e move,
não me queixo de nada no mundo senão do preço das
                                                               bilhas de gás,
ou então de já mas não venderem fiado
e a pagar um dia a conta toda por junto:
corpo e alma e bilhas de gás na eternidade
- e dizem-me que há tanto gás por esse mundo fora,
países inteiros cheios de gás por baixo.


Herberto Helder, A Morte sem Mestre, 2014, p. 57-58.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Dia 18 de Janeiro, Sábado, pelas 16:30 na Biblioteca Municipal de Alcobaça

Dia 18 de Janeiro próximo, se Deus quiser, irei estar em Alcobaça, minha terra de naturalidade, para falar sobre ORTOGAL, aquilo que ele significou e significa para mim. O meu querido amigo José Alberto Vasco aceitou a missão (espinhosa) de apresentar o livro e a minha pessoa, algo que lhe agradeço do fundo do coração, pois como ele sabe não sou muito dado a confessionalismos e intimismos (pseudo) intelectuais, tão do gosto da "multidão solitária" dos dias que correm. A verdade é que a tudo isso, como o José Alberto sabe, prefiro um copo de vinho acompanhado de boa conversa e, se possível, uns quantos cigarritos ecológicos (visto não terem beata: são apenas o tabaco e a celulose facilmente biodegradável do papel de enrolar). A conversa é para começar às 16:30 mas, antes disso, ao meio-dia (meio-dia com hífen, como me ensinou a minha saudosa professora Angelina, da Póvoa de Cós), vou estar com a Piedade Neto, também ela da Póvoa, para uma conversa a dois na Rádio Cister, para quem nos queira ouvir. Se puderem, apareçam e/ou ouçam.