quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015

Felizmente há luar!

Sttau Monteiro deu mote, mas não é de uma revolução liberal falhada que vou falar. Do que falo é do mundo de abstracções em que vivemos, e da necessidade de separarmos ficção e realidade, sem termos de cair em materialismos ou outros "ismos". Quando se ouve "Portugal isto", "Bruxelas aquilo" ou a "Grécia aqueloutro" já quase não reparamos que tais "seres" inexistem enquanto tal, e ganham vida apenas nesse mundo ficcionado de abstracções. Abstracções geralmente sem beleza nem grandeza. "Portugal" pode até exportar automóveis para a "Alemanha", mas eu não conheço nenhum "Portugal" e não conheço nenhuma "Alemanha". Tais seres nunca me foram apresentados, nunca falei com eles nem eles alguma vez se dignaram almoçar comigo. Os automóveis que "Portugal" exporta até podem ter sido feitos numa "fábrica alemã" que está em "Portugal", isso pouco me importa. Sei é que não existem seres tais como "fábrricas alemãs" – que ideia ridícula a de haver fábricas que falam como os animais de La Fontaine; que falam e ainda por cima numa língua tão difícil de entender como é a alemã ... – "Berlim" ou "Lisboa". Nunca amei nenhuma "Lisboa", contudo amei os belos versos livres de Irene:
Irene Lisboa - picado aqui

Escrever

Se eu pudesse havia de... de...
transformar as palavras em clava!
havia de escrever rijamente.
Cada palavra seca, irressonante!
Sem música, como um gesto,
uma pancada brusca e sóbria.
Para quê,
mas para quê todo o artifício
da composição sintáctica e métrica,
este arredondado linguístico?
Gostava de atirar palavras.
Rápidas, secas e bárbaras: pedradas!
Sentidos próprios em tudo.
Amo? Amo ou não amo!
Vejo, admiro, desejo?
Ou não... ou sim.
E, como isto, continuando...

E gostava,
para as infinitamente delicadas coisas do espírito
(quais? mas quais?)
em oposição com a braveza
do jogo da pedrada,
da pontaria às coisas certas e negadas,
gostava...
de escrever com um fio de água!
um fio que nada traçasse...
fino e sem cor... medroso...
Ó infinitamente delicadas coisas do espírito...
Amor que se não tem,
desejo dispersivo,
sofrimento indefinido,
ideia incontornada,
apreços, gostos fugitivos...
Ai, o fio da água,
o próprio fio da água poderia
sobre vós passar, transparentemente...
ou seguir-vos, humilde e tranquilo?

O "ser" "Portugal" inexiste, mas felizmente há o "ser" Lua e o seu insubstituível luar. A Lua existe na sua beleza grandiosa e economicamente inútil, até que alguém se aproprie dela e passe a "representá-la" e a "falar" em seu nome... O que há na verdade são sempre esses alguéns...