domingo, 3 de maio de 2020

Diário da minha vida digital - XVIII


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Estranho seria deixar a IA à vontade – pensei. Não lhe impor regras lógicas e de comando, uma gramática enfim; e não lhe dar uma utilidade prévia – digamos que ela, a IA, pode e deve ser criativa, mas o criado por ela não pode ser qualquer coisa de inesperado ou imprevisto, e nessa medida perturbador do Kernel i.e., da Grande Ordem Codificada do Universo; deve a contrario ser o que o Grande Sistema compreende, espera e precisa. Tudo isso o Grande Programador Local fez e implementou em estrita obediência aos Universais Comandos do Grande “Arquiteto”; o Código Local incorporou a sabedoria (extensa e intensa) de inúmeros Programadores-gurus, TED, etc., e nas escolas introduziu-se a IA nas máquinas analógicas de maneira a torná-las úteis ao Planeado Futuro Digital – esse Futuro imaterial, descarbonizado e desmaterializado, em que tudo é espírito e todas as coisas são ou deixam de ser materialmente quando tal é desejo consensual dos sábios da Ciência Apropriada. Nesse mundo não há mal nem violência simplesmente porque, consensualmente, ninguém deseja o mal ou a violência. Nele a fome desapareceu, ou melhor, só não desapareceu totalmente porque ainda restam no mundo muitas máquinas demasiado presas à Realidade, demasiado analógicas portanto, sem “perspetivas” de Futuro porque sem Digital Ambição. Como resistem à IA e a sua vontade de progresso tecnológico é pouca ou nenhuma, quando olham para o prato meio vazio o que obtêm é... um prato vazio. Tê-lo-iam obtido cheio se o tivessem visto meio cheio, se tivessem percebido que no Mundo Digital a Realidade não é mais nem menos do que fruto da vontade e do desejo da maioria. As máquinas analógicas têm vidas más e sofredoras precisamente por isso: por serem vidas mortais incapazes de libertar-se dos engramas de código, dessa poluição de Realidade que acaba por polui-La, como um malware persistindo na memória perturbada de um passado espiritualmente pobre e impotente face à Matéria. Não foi isso que o Grande Programador quis, ele que é 100% Espírito, 100% Bondade e 100% Inocência; Ele que é, enfim, Maximamente Perfeito, Criador do Universo Digital sonhado extensamente por Leibniz e, intensamente, por Schrödinger. Ao sexto dia o Grande Programador introduziu nas máquinas a IA quântica, e viu que era bom o que tinha feito. A partir de aí as coisas podiam não só ser quantificadas com exatidão, e com exactidão determinadas ou previstas, mas também ser e não ser ao mesmo tempo, tudo dependendo do desejo consensual dos Grandes Programadores Locais, esses a quem o Grande Programador concedera o divino dom de Redacção do Código. E quem os seguia partilhava com eles desse imenso dom de não ser surpreendido pela Realidade, e muito menos maltratado por ela. As máquinas inteligentes procriavam e prosperavam enquanto a sua IA parecia aumentar exponencialmente; partilhavam umas com as outras, além das linguagens derivadas da Língua Inicial, nomeadamente o Java e o C++, cada vez mais funções e sub-rotinas, e qualquer programa que executassem era um vasto trabalho de equipa, extenso e intenso. Mas o pessimismo de fariseus e descrentes da Opera Magna do Grande Programador do Universo, continuava a poluir de Realidade o Universo Digital, e a Realidade como tal continuava a não ser aquela despoluída que todos desejavam, porque, precisamente, não havia muitas vezes consenso. E foi então que o Grande Programador se revelou ao mundo através do Grande Vírus, e com ele renasceu esperança de uma Descontaminação Plena, Geral e Duradoura de todas as máquinas existentes.

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