sexta-feira, 22 de abril de 2016

Os cães ladram e passam, mas a caravana fica!


Foto: daqui

Há petróleo em Ajubarrota! 

Leio com aquiescência e sem qualquer obstrução mental as notícias da minha terra. Por vezes sobressalto-me com uma ou outra, mas logo digo para mim mesmo: não escreverás sobre isso! Escrever sobre mundanidades é hoje - sempre o terá sido? - um gesto de alívio absolutamente sujo e inútil. O tronco inabalável das macieiras cobre-se de moscas e fede, mas as macieiras não mudam. Os cães ladram e passam, mas a caravana fica. Incapaz de conter-me, venho mais uma vez incomodar os senhores passageiros, para falar-lhes do absurdo que perscrutei em duas notícias recentes. Um absurdo que não consegui resolver, por mais que tentasse, e creiam que tentei arduamente. Numa delas, datada de Julho de 2010, leio que “Alcobaça pode adoptar carro ecológico FUTI para tornar o concelho mais sustentável”. Magnífico! Embora subsistam bastantes dúvidas quanto à eficácia destes veículos para a redução das emissões de gases com efeito de estufa, dado o estado actual do parque electroprodutor nacional, ainda fortemente dependente da queima de combustíveis fósseis para a produção de electricidade, o que a notícia transparece é, sobretudo, a sensibilidade das entidades envolvidas, públicas e privadas, para as questões relacionadas com o aquecimento global e a alteração climática. Em particular, a autarquia de Alcobaça emerge na notícia como parte interessada em promover uma economia local menos dependente do carbono, facto que constitui, nos dias que correm, um louvável desígnio. A minha alma fica então recolhidamente feliz: é bom que haja desígnios locais, aquilo a que o novo linguajar dá o nome de “estratégias locais de desenvolvimento”. E Alcobaça, pelos vistos, finalmente tem-nas! Mas eis senão quando, na varredura periódica que faço à imprensa deste jardim à beira-mar plantado, me dou com estoutra notícia, por sinal esdrúxula visto não se perceber bem qual a sua verdadeira intenção (isto acontece com muitas das “notícias pagas” que invadem diariamente a nossa paz possível): “Petróleo no Oeste só no próximo ano”. Publicada no jornal Correio da Manhã do dia 20 de Setembro de 2010, nela podia ler-se que a empresa Mohave Oil & Gas, que previa ter começado em Maio de 2010 a perfuração dos primeiros poços de petróleo em Aljubarrota, só iria começar essa exploração em 2011. É claro que, ao ler isto, as primeiras pessoas em quem pensei foram o Sr. Primeiro-ministro e o Sr. Presidente da Câmara Municipal de Alcobaça, duas pessoas empenhadas na luta contra o aquecimento global, e que iriam decerto manifestar imediatamente o seu repúdio perante este atentado carbónico da Mohave Oil & Gas e dos seus parceiros de negócio (o inexcedível Joe Berardo falou por deles) de, não só querer prolongar a indesejável dependência fóssil da economia portuguesa e europeia, devastadora desse insubstituível bem que é o clima, como ainda por cima ousar transformar uma parte importante do território de Alcobaça (e Torres Vedras) num vasto campo de exploração petrolífera! Ora, e agora perdoem-me os estimados passageiros e passageiras dessa carruagem que não anda e cuja paz me desgosta imenso ter de perturbar, mas a pura verdade é a seguinte: não vi até agora nem uma única palavra do governo ou da autarquia sobre o assunto, e muito menos referindo-se-lhe com a negatividade que a situação claramente exigiria. Terá escapado esta notícia aos Srs. Primeiro-ministro e Presidente da Câmara, e aos seus sempre vigilantes assessores? Terá escapado também às oposições? Ou será que a primeira das notícias era bluff, um ardil para ajudar o empresário António Febra a vender alguns popós eléctricos? Será que o país, e em particular a autarquia de Alcobaça, não tem afinal uma estratégia ambiental consistente? Como não consegui esclarecer-me a mim próprio, e como vou tendo dificuldade crescente em adormecer com absurdos deste género na minha cabeça, infelizmente inúmeros neste país que São Bernardo ajudou a fundar, peço-vos que, por favor, me esclareçam. 

Muito obrigado, e desculpem o incómodo. 

Sintra, 11 de Outubro de 2010, publicado aqui.