«Até ao último minuto de vida a presa ensanguentada acredita que ainda pode sobreviver ao predador. Ingénua esta condição que nos impede até ao último minuto de aceitarmos a verdade quando a verdade nos é cruel. Pois a vida consiste nisso mesmo, nessa involuntária negação da morte até ao preciso instante em que abandonamos o mundo. E por mais feroz e ávido que seja o predador, fica-nos sempre a esperança de que, uma vez saciada a sua fome, acabe por nos deixar em paz. É assim que procede a Natureza e que a raposa sobrevive ao coiote. Mas vede que, de entre todos os animais que existem na Natureza, por mais ferozes que sejam, só o Homem consegue beber sem ter sede. O que o pode tornar pelo vício insaciável. Ele é por isso o animal mais perigoso de todos os que existem, e é dele que tendes que ter mais cuidado porque a sua sede de matança pode ser nalguns casos infinita.»
Valdemar J. Rodrigues, Ortogal, Lisboa: Chiado Editora, 2013, p. 151
Sem comentários:
Enviar um comentário