Tese
O que é legal pode perfeitamente não ser aceitável eticamente
Proposição
A existência de um valor limite legal para a concentração de um poluente cancerígeno P num alimento processado, ou na água para consumo humano, não só não impede como pode, pelo contrário, estimular, o comportamento eticamente inaceitável de adicionar esse poluente ao alimento ou à água em causa.
Demonstração
Admita-se que o alimento ou água em causa não contêm, em concentrações detectáveis pelos instrumentos de medida usuais e disponíveis, o poluente P.
Admita-se que os custos de eliminação/tratamento em condições de segurança do poluente P são muito elevados.
Ora, se a indústria alimentar, ou de tratamento de água para consumo humano, adicinar ao seu produto uma quantidade de poluente P de modo a não ultrapassar o limite legal fixado de
x miligramas por kg de produto (i.e., de alimento ou água) ela não só estará legal como... poderá ganhar bastante dinheiro com isso, aumentando os seus lucros e podendo até mandar para o lixo boa parte da produção... porque ao inserir o poluente na água ou no alimento (processado) ela já facturou a quem queria ver-se livre dele! E poderá, até, dizer-se "amiga do ambiente", uma vez que "dilui o mal"... e, como dizia o
Paracelso, «
sola dosis facet venenum». Do "agente económico", como sempre, espera-se que aja "racionalmente"...
c.q.d.
Possível objecção
O "agente económico" que quer ver-se livre do "resíduo" está proibido de fazê-lo dessa forma, ou seja, de pagar a quem trate do assunto e não seja "operador de resíduos licenciado"... portanto, o procedimento é, ainda, ilegal. É portanto ainda na ilegalidade que assenta a falta de ética.
Contra-objecção
Há, por um lado, o conceito jurídico de "resíduo" e, por outro, a política, designadamente da UE, tendente a uma "economia circular" que tem como lema "
Turning waste into a resource". No significado de "resource" podemos ler: "
a source of wealth or revenue". Assim, o poluente P pode facilmente ser transformado, pelo milagre jurídico dos
& Associados, num recurso valioso que gera bem-estar e receitas financeiras para ambas as partes, ou seja, para a empresa que quer ver-se livre dele e para a indústria que recebe dinheiro para o "diluir legalmente" nos alimentos ou na água. E quanto ao estado ou sociedade? - poderá perguntar-se - o que ganha ou perde com isso? Ora, a burocracia estatal ganha sempre e, se a questão alguma vez chegasse a colocar-se publicamente, certamente batalhões de
& Associados, - que facilmente levam o assunto ao "supremo" -cientificamente apoiados nas leis que fizeram (e "respetivos" "vazios legais"), tal como nos diversos "estudos científicos" que as suportaram, haveriam no final, como sempre, de concluir que afinal "todos ganham"; que se trata de um "win-win" inteligente e preferível a levar, por exemplo, o "recurso" para "co-incineração" na cimenteira, e uma vez mais ganham sobretudo eles (mais até do que quando trataram de fazer as leis...).
Premonição
Em breve, uma vez mais, chegar-se-á à conclusão apolínea de que "tudo o que é demais é moléstia"; que ter tantas leis "técnicas" e tantas resmas de advogados a viver delas, e para elas, não é boa ideia, que as leis não abolem o crime, simplesmente o
refinam; que leis em demasia é o mesmo que ausência de lei; ou até - o que seria, tanto quanto sei, uma agradável surpresa - que afinal foi o "império dos advogados" aquilo que
ruiu quando dizem ter "caído" o "Império Romano do Ocidente", numa altura em que, nesse desejado "império sem fim", já nada podia ser ou funcionar sem a "ajuda" de uma jurisprudência parasita; etc. etc. etc.
Fonte:
aqui. Fala de "Inglaterra" e de um tempo muito mais recente;
não li, mas o título chamou-me à atenção.
mas talvez seja interessante.