Sobre o “historiador municipal”
Fleming de Oliveira, de Alcobaça
Só tardiamente tive notícia da obra de Fleming de Oliveira (FO) enquanto “historiador” na área de história contemporânea de Alcobaça. FO publicou, nessa cidade e nos últimos anos, dois livros sobre a «vida na sociedade civil de Alcobaça por alturas de 1974» e, tanto quanto sei, irá lançar, este mês e na mesma cidade, um «dicionário de alcobacenses».
Como declaração de interesses, não tenho nem nunca tive qualquer tipo de relações pessoais, de amizade ou negócios, com FO ou membros da sua família. E não tendo nem vocação nem qualificações para a “ciência histérica”, e menos ainda para a análise crítica historiográfica – algo que FO, ao que sei, também não tem – estou à vontade para avaliar a qualidade de trabalhos escritos, com a pretensão de registos da “verdade histórica”, sobre factos e acontecimentos que, em parte pelo menos, também presenciei ou vivi, relativos à terra e a pessoas que bem conheci, como foi o caso do meu pai, José Barbosa Rodrigues, o «panfletário, acintoso e azedo» “correspondente” da imprensa da esquerda revolucionária (O jornal Voz de Alcobaça) no dizer espinhoso e traumatizado de FO – traumatizado com essas “conquistas de Abril” que foram, entre outras, as da liberdade de reunião e expressão.
Entre os factos dignos de “registo histórico” depreciativo FO “acusa” o meu pai de ter mobilizado, por alturas de 1974-76, as gentes da freguesia para a limpeza das ruas e da escola de Cós, e por ter tido um papel activo no movimento local que pedia a expulsão do padre Manuel da paróquia de Cós-Maiorga. Fá-lo ressentido, qual juiz que, sem se dignar analisar e descrever os factos, e sem ouvir as testemunhas (FO por exemplo jamais me contactou), passa directamente à sentença: o meu pai era arruaceiro, um anti-clerical e desprezível agitador social. O dizer simples (e de péssima redacção) do “historiador municipal” não esconde a ira: o meu pai, e os demais “agitadores” da “paz social” das aldeias pré-25 de Abril, eram peste que viera ao mundo.
Já, por exemplo, sobre a história da última eleição para a junta de freguesia de Cós antes do 25 de Abril, cujo vencedor foi o meu pai, FO não diz palavra. Não fala da pressão que ele sofreu, da parte de Tarcísio Trindade, para abdicar a favor do concorrente, o que acabou por fazer para não prejudicar a freguesia. Era ele um tal Levi, homem do regime residente na Póvoa de Cós, a quem, pelo menos até Abril de 1974, o meu pai assessorou enquanto secretário da junta de freguesia. O “juiz” condena o meu pai pelo “crime” de «anti-clericalismo» mas não acha digno de menção o porquê de, à época, muita gente de Maiorga e Cós pedir a demissão do padre: a recusa do baptismo a crianças cujos pais não fossem à missa. Em Cós o salão paroquial onde a minha mãe (que viria a falecer em 1978) durante anos se empenhara na realização de espectáculos e iniciativas várias de índole cultural, o padre Manuel encerrou-o após o 25 de Abril. Até seria justíssimo dizer que, se tinha havido durante o marcelismo alguma vida cultural em Cós, isso se deveu em grande parte ao esforço da minha mãe, Maria Manuela Roxo Correia, tal como, é certo, à paróquia que abrira as portas do salão às iniciativas da comunidade. É óbvio que esquecer estes factos da história e acusar as pessoas de “anti-clericalismo” é errado; é tomar a parte pelo todo, algo típico de gente pouco instruída ou ignorante. O “crime” de mobilização da sociedade para a limpeza das ruas e da escola primária (cujas condições eram miseráveis) desmerece, evidentemente, qualquer comentário.
Sobre o “activismo social” do meu pai FO esquece que foi graças a ele, mais a um pequeno punhado de “perigosos activistas”, entre os quais a minha mãe, que a colectividade local veio-a-ser, e o seu leitmotiv foi, originariamente, a decisão do padre Manuel de encerrar o salão paroquial. Assim nasceu a Associação desportiva e cultural de Cós” que ainda hoje lá está. Para uma mente lúcida interessada em conhecer e, sobretudo, em dar a conhecer a historia local, é óbvio que estes “métodos” de investigação e “esquecimentos” são suspeitos; eu digo: não são nem ingénuos nem acidentais. Triste é que alguém um dia venha a dar crédito a uma “história” contada assim.
A título pessoal, o retrato que FO apresenta do meu pai é ofensivo e moralmente danoso. Sei que de pouco serve pedir-lhe que publicamente se retrate pelo que escreveu e publicou. Resta-me, para mal dos meus pecados, estar mais atento para não deixar passar mais nenhum texto deste “historiador municipal” em vão, para que os leitores possam conhecer melhor a “mecânica” do revisionismo histórico, algo em que o regime de Stalin foi exímio.
17 de Novembro de 2017
Só tardiamente tive notícia da obra de Fleming de Oliveira (FO) enquanto “historiador” na área de história contemporânea de Alcobaça. FO publicou, nessa cidade e nos últimos anos, dois livros sobre a «vida na sociedade civil de Alcobaça por alturas de 1974» e, tanto quanto sei, irá lançar, este mês e na mesma cidade, um «dicionário de alcobacenses».
Como declaração de interesses, não tenho nem nunca tive qualquer tipo de relações pessoais, de amizade ou negócios, com FO ou membros da sua família. E não tendo nem vocação nem qualificações para a “ciência histérica”, e menos ainda para a análise crítica historiográfica – algo que FO, ao que sei, também não tem – estou à vontade para avaliar a qualidade de trabalhos escritos, com a pretensão de registos da “verdade histórica”, sobre factos e acontecimentos que, em parte pelo menos, também presenciei ou vivi, relativos à terra e a pessoas que bem conheci, como foi o caso do meu pai, José Barbosa Rodrigues, o «panfletário, acintoso e azedo» “correspondente” da imprensa da esquerda revolucionária (O jornal Voz de Alcobaça) no dizer espinhoso e traumatizado de FO – traumatizado com essas “conquistas de Abril” que foram, entre outras, as da liberdade de reunião e expressão.
Entre os factos dignos de “registo histórico” depreciativo FO “acusa” o meu pai de ter mobilizado, por alturas de 1974-76, as gentes da freguesia para a limpeza das ruas e da escola de Cós, e por ter tido um papel activo no movimento local que pedia a expulsão do padre Manuel da paróquia de Cós-Maiorga. Fá-lo ressentido, qual juiz que, sem se dignar analisar e descrever os factos, e sem ouvir as testemunhas (FO por exemplo jamais me contactou), passa directamente à sentença: o meu pai era arruaceiro, um anti-clerical e desprezível agitador social. O dizer simples (e de péssima redacção) do “historiador municipal” não esconde a ira: o meu pai, e os demais “agitadores” da “paz social” das aldeias pré-25 de Abril, eram peste que viera ao mundo.
Já, por exemplo, sobre a história da última eleição para a junta de freguesia de Cós antes do 25 de Abril, cujo vencedor foi o meu pai, FO não diz palavra. Não fala da pressão que ele sofreu, da parte de Tarcísio Trindade, para abdicar a favor do concorrente, o que acabou por fazer para não prejudicar a freguesia. Era ele um tal Levi, homem do regime residente na Póvoa de Cós, a quem, pelo menos até Abril de 1974, o meu pai assessorou enquanto secretário da junta de freguesia. O “juiz” condena o meu pai pelo “crime” de «anti-clericalismo» mas não acha digno de menção o porquê de, à época, muita gente de Maiorga e Cós pedir a demissão do padre: a recusa do baptismo a crianças cujos pais não fossem à missa. Em Cós o salão paroquial onde a minha mãe (que viria a falecer em 1978) durante anos se empenhara na realização de espectáculos e iniciativas várias de índole cultural, o padre Manuel encerrou-o após o 25 de Abril. Até seria justíssimo dizer que, se tinha havido durante o marcelismo alguma vida cultural em Cós, isso se deveu em grande parte ao esforço da minha mãe, Maria Manuela Roxo Correia, tal como, é certo, à paróquia que abrira as portas do salão às iniciativas da comunidade. É óbvio que esquecer estes factos da história e acusar as pessoas de “anti-clericalismo” é errado; é tomar a parte pelo todo, algo típico de gente pouco instruída ou ignorante. O “crime” de mobilização da sociedade para a limpeza das ruas e da escola primária (cujas condições eram miseráveis) desmerece, evidentemente, qualquer comentário.
Sobre o “activismo social” do meu pai FO esquece que foi graças a ele, mais a um pequeno punhado de “perigosos activistas”, entre os quais a minha mãe, que a colectividade local veio-a-ser, e o seu leitmotiv foi, originariamente, a decisão do padre Manuel de encerrar o salão paroquial. Assim nasceu a Associação desportiva e cultural de Cós” que ainda hoje lá está. Para uma mente lúcida interessada em conhecer e, sobretudo, em dar a conhecer a historia local, é óbvio que estes “métodos” de investigação e “esquecimentos” são suspeitos; eu digo: não são nem ingénuos nem acidentais. Triste é que alguém um dia venha a dar crédito a uma “história” contada assim.
A título pessoal, o retrato que FO apresenta do meu pai é ofensivo e moralmente danoso. Sei que de pouco serve pedir-lhe que publicamente se retrate pelo que escreveu e publicou. Resta-me, para mal dos meus pecados, estar mais atento para não deixar passar mais nenhum texto deste “historiador municipal” em vão, para que os leitores possam conhecer melhor a “mecânica” do revisionismo histórico, algo em que o regime de Stalin foi exímio.
17 de Novembro de 2017
1cf. flemingdeoliveira.blogspot.com/
2e.g. http://flemingdeoliveira.blogspot.pt/2011/10/i-vida-na-sociedade-civil-de-alcobaca.html
Fonte: Região de Cister, Ed. de 30 de Nivembro de 2017